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Jessycaah

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O VELHO NAVIO

O VELHO NAVIO


ao infortúnio do amigo Aaron Zvestkovis, marinheiro.

Era uma tarde de mar calmo, de águas espelhadas, pálidas pela luz do fim

de tarde.

O vento não soprava, e não havia no céu nenhuma nuvem.

O velho navio singrava suave como se deslizasse pelas águas vitrificadas,

seguido de um roncar surdo do velho motor no inferior de sua popa.

Rumava em direção ao por do sol e desenhava em sua retaguarda,

um rastro de pequena turbulência provocada por suas hélices.

Era um navio realmente velho. Seu casco todo enferrujado, trazia marcas

de sua trajetória em cada porto por onde passou; seu nome já não se

distinguia entre a ferrugem.

Seu calado, já enfraquecido pelo tempo, a água salobra do mar e as

pesadas cargas que transportara desde muito tempo, rangia com os ferros

de sua estrutura resvalando uns nos outros pelas folgas entre as peças.

O som do ferro se perdia ao longe, ao longo do seu percuso.

Raramente se via os tripulantes na proa ou em toda a extensão do lado

externo, mas quando apareciam, era impossível não deixar de se

surpreender por seu aspecto.

Olhares sempre voltados para o infinito, sempre buscando algum ponto,

algum referencial.

E a expressão da face justificava o olhar. Era como se esperassem por algo;

como se esperassem por uma resposta que no fundo da alma sabiam

que jamais chegaria.

Expressão de angústia profunda, mesclada com um medo interior, um medo

intenso, todavia, sem saber do quê. Eram como corpos sem o vigor da vida,

sem ânimo e sem vontade; andar pesado e lento, como se contassem os

passos; nunca se falavam e nunca trocavam olhares.

Era como se um não notasse a presença do outro, ou não fazia diferença

o outro estar ali.

As roupas pregadas ao corpo encurvado, como se levasse o peso do

mundo nas costas, e não dormissem há tempos e tempos.

Era como a visão de um ataúde flutuante, e que levava seus ocupantes

para uma viagem eterna até seu descanso final no seu túmulo que

seria o próprio mar.

Ninguém guiava a embarcação; ela seguia sempre em rumo próprio,

levando seus ocupantes, os condenados por um crime imperdoável

até seu destino frente a frente com seu algoz.

No fim da tarde, quando os últimos raios pálidos de sol refletiam moribundos,

sobre a água, veio do leste grande nuvem negra e medonha seguida

de forte vento que agitava o mar com vagas enormes e violentas.

Os olhares dos tripulantes voltaram-se para estibordo com grande terror.

Viam ali chegando, seu carrasco impiedoso e insaciável, com grande fúria,

executar a ordem capital, a sentença injustificada de um juiz frio e cruel.

Expressões horrorizadas estamparam os rostos dos condenados com

uma angústia que vinha do mais profundo recôndito da alma, aflorar

nos nervos e em todas as articulações daqueles corpos trêmulos e já

sem nenhuma força.

O forte vento logo deu origem a um enorme ciclone, fazendo o barco

ficar bem ao seu centro. Grandes correntes de ventos varriam a embarcação,

ondas enormes lavavam o convés; a embarcação pendia de um lado a outro,

e em certos momentos, parecia que viraria. Os tripulantes já sem a mais

remota das esperanças, ainda seguravam-se na amurada, mas por puro

instinto, e não por esperar salvar suas almas da mão do impiedoso destino.

Meia hora depois do início, a tempestade chegou a seu apogeu. A escuridão

era total, e o que se via de longe, era uma pálida luz que vinha do interior

do barco.

Seus tripulantes se refugiaram até então em seu interior; o navio

mergulhava por completo sob as vagas, e tempo depois, voltava à tona,

como um ser que, se afogando, busca desesperadamente encher seus

pulmões de ar para conseguir sobreviver por mais uns instantes debaixo

da água. O vento se acercava mais e mais, tudo estava acabado!

Não havia mais o que esperar.

Em um desses mergulhos violentos, a grande e negra embarcação sucumbiu

ao furor da matéria, e deixou o mundo da superfície para traz, para nunca

mais voltar.

E o que se viu num último relance, foi o rosto de um dos tripulantes

colado em uma das janelinhas de vidro, olhando para fora, quando o navio

já deixava o mundo de cima, com a expressão de um rosto que faz

um vivente quando a alma parece querer sair de dentro do corpo através

dos olhos.

Uma expressão de dor, angústia e medo; a expressão de quem olhava

tudo aquilo acontecer, e impotente, contra seus algozes, apenas olhava

em um último instante para lhes perguntar

“por que?”.

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